Introdução: Um Conflito Comum, Uma Solução Possível
Lidar com a perda de um ente querido já é um processo imensamente delicado. Quando, em meio ao luto, surge a questão do patrimônio, os sentimentos podem se intensificar. Uma das situações mais comuns e que mais gera desgaste familiar é esta: um dos herdeiros mora no único imóvel deixado, enquanto os outros arcam com suas próprias moradias. A pergunta que fica no ar, muitas vezes não dita para evitar mais conflitos, é: "A pessoa que está usando o bem que é de todos deveria pagar um aluguel aos demais?".
Este guia foi pensado para você, herdeiro ou herdeira, que se encontra nessa situação. O objetivo é oferecer clareza e um caminho seguro para que você entenda seus direitos e se prepare para conversar com um advogado, que é a peça-chave para a solução.
A lei parte de um princípio chamado Saisine (Art. 1.784 do Código Civil). Parece complicado, mas a ideia é simples: no exato segundo do falecimento, tudo o que a pessoa possuía é transferido automaticamente para todos os seus herdeiros. Isso cria um "condomínio forçado" entre eles. Ninguém é dono de um quarto específico, mas sim de uma porcentagem (fração) de todo o imóvel.
Por isso, a resposta direta é: sim, em regra, quem usa o imóvel com exclusividade deve pagar uma indenização aos outros "sócios". O nome jurídico não é "aluguel", mas sim "arbitramento de aluguel" (Art. 1.319 do Código Civil), pois a lei busca impedir que um se beneficie em detrimento dos outros, o que seria um "enriquecimento sem causa".
Seção 1: O Ponto de Virada – Quando o Pagamento se Torna Obrigatório?
Muitos pensam que a dívida começa a contar desde o falecimento, mas não é assim. A posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que orienta as decisões em todo o Brasil, é clara: enquanto os outros herdeiros não se opõem formalmente, a lei entende que há um empréstimo gratuito (comodato).
A obrigação de pagar só começa a partir do momento em que o herdeiro que ocupa o imóvel é notificado. Essa notificação é o ato que diz: "o empréstimo gratuito acabou". A partir dali, a ocupação passa a ser onerosa. Por isso, não se pode cobrar valores retroativos se essa oposição formal nunca foi feita.
Seção 2: A Exceção Mais Importante – O Direito de Moradia do(a) Viúvo(a)
Esta é a regra de ouro que protege a pessoa que dividiu a vida com quem faleceu. Se quem mora no imóvel é o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, a situação é diferente. Ele(a) é protegido(a) pelo Direito Real de Habitação (Art. 1.831 do Código Civil).
- O que é? É o direito, garantido por lei, de o(a) viúvo(a) continuar morando no imóvel que era a residência da família, de forma gratuita e vitalícia.
 - Quem tem direito? O cônjuge ou companheiro(a), não importa o regime de bens do casamento, desde que aquele fosse o único imóvel residencial da família a ser inventariado. O STJ já decidiu que ter outros bens em seu nome não impede esse direito.
 - Conclusão Clara: Se sua mãe ou seu pai (viúvo/a) continua morando na casa, os filhos (herdeiros) não podem cobrar aluguel nem forçar a venda do imóvel. É uma proteção que visa garantir dignidade e estabilidade em um momento de vulnerabilidade.
 
Seção 3: Na Ponta do Lápis – Como se Chega ao Valor Justo?
Se não há o Direito Real de Habitação, a indenização é devida. Para se preparar para a conversa com o advogado, é útil entender como o valor é composto:
- Valor Base: O ponto de partida é o valor de mercado do aluguel do imóvel. Uma pesquisa em imobiliárias da região pode dar uma boa ideia.
 - Despesas de Uso (IPTU, Condomínio): O STJ entende que quem usa o imóvel com exclusividade deve arcar sozinho com essas despesas. É injusto que os outros herdeiros, que não usufruem do bem, ajudem a pagar as contas de quem lá reside.
 - Benfeitorias (Reformas): Se o herdeiro ocupante fez obras, ele só poderá pedir reembolso se a reforma foi necessária para a conservação do imóvel (ex: conserto de um vazamento no telhado). Melhorias por conforto ou estética (ex: piscina, troca de piso) só são indenizáveis se os outros herdeiros concordaram por escrito.
 
Exemplo Prático para Preparação: "Mãe" falece, deixando um imóvel para seus três filhos: "Filho 1", "Filha 2" (que mora no exterior) e "Filha 3". O aluguel de mercado é R$ 3.000 e o IPTU anual é de R$ 1.200. O "Filho 1" ocupa o imóvel.
- Cálculo Base da Indenização: "Filho 1" deve R$ 1.000 para a "Filha 2" e R$ 1.000 para a "Filha 3" (total de R$ 2.000/mês).
 - Responsabilidade pelo IPTU: O "Filho 1" deve pagar os R$ 1.200 de IPTU sozinho.
 - Preparação para Negociação: As irmãs podem propor um acordo: em vez de receberem os R$ 1.000 mensais, podem abater esse valor de futuras despesas do inventário, ou até mesmo da parte que caberá ao "Filho 1" na partilha. Ter esses números em mente ajuda a construir um acordo.
 
Seção 4: Guia Prático – Preparando-se para a Solução
O objetivo é chegar ao advogado com um plano, não apenas com um problema.
4.1. Para os herdeiros que NÃO ocupam o imóvel:
- Preparação e Mediação: Antes de tudo, converse. Reúna os dados (valor do aluguel, despesas) e proponha um acordo amigável. Se a conversa for difícil, um advogado pode atuar como mediador.
 - Notificação (Via Advogado): Se o acordo falhar, o advogado enviará a notificação extrajudicial. Este é o passo técnico que formaliza a cobrança.
 - Ação Judicial: Como último recurso, o advogado ingressará com a "Ação de Arbitramento de Aluguel".
 
4.2. Para o herdeiro que OCUPA o imóvel:
- Preparação e Acordo: Seja proativo. Calcule o valor justo da indenização e proponha um acordo aos demais. Isso demonstra boa-fé e pode evitar um processo judicial.
 - Prestação de Contas: Organize todos os comprovantes de IPTU, condomínio e, principalmente, de reformas necessárias. Eles são sua principal ferramenta de negociação.
 
Conclusão: O Conhecimento é o Primeiro Passo para a Paz
Entender que a lei busca o equilíbrio é fundamental. A ocupação exclusiva de um bem comum gera, sim, o dever de compensar os demais. A melhor forma de evitar que essa situação se arraste, acumulando dívidas e mágoas, é se preparar com o conhecimento correto e buscar a rápida conclusão do inventário com o auxílio de um advogado. Ele é o profissional que transformará o conflito em um acordo e garantirá que o patrimônio da família seja uma fonte de segurança, e não de discórdia.
Este artigo tem finalidade exclusivamente informativa e educativa, nos termos do Provimento n.º 205/2021 do CFOAB. A análise de um caso concreto e a prestação de serviços jurídicos dependem da consulta com um advogado.
Este conteúdo foi útil? Para informações organizadas sobre os primeiros passos, documentos e requisitos do inventário, utilize nossa assistente virtual. Ela foi desenvolvida para ser um guia informativo que te ajuda a se preparar para a consulta com um advogado. Nossa assistente virtual pode fornecer informações claras e organizadas. Acesse o chat para começar a se informar.